Juíza cita crise Yanomami e danos do mercúrio ao condenar preso com 103 kg de ouro em Roraima
18/12/2025
(Foto: Reprodução) O empresário Bruno Mendes de Jesus foi preso com barras de ouro em Hilux em Rondônia
Montagem/g1
Ao condenar o empresário Bruno Mendes de Jesus, de 30 anos, a 8 anos e 11 meses de prisão em regime fechado nesta segunda-feira (15), a Justiça estabeleceu uma conexão direta entre o transporte de ouro ilegal e a crise humanitária que atinge a Terra Indígena Yanomami.
Na fundamentação da sentença, a juíza federal Mirna Brenda de Magalhães argumentou que quem transporta o minério é peça fundamental para que o garimpo ilegal exista e continue a devastar comunidades indígenas. Por isso, deve ser punido com o mesmo rigor aplicado à extração ilegal.
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Bruno foi preso em agosto deste ano com 103 kg de ouro escondidos em uma caminhonete, na maior apreensão do minério já feita no país pela Polícia Rodoviária Federal. Dividido em barras, a carga foi avaliada em R$ 61 milhões pela cotação do Banco Central. Bruno teve o direito de recorrer em liberdade negado.
O g1 procurou a defesa do empresário e aguarda resposta.
Segundo a sentença, a exploração mineral dentro da terra indígena "maltrata os recursos naturais e a população indígena, que já se encontra altamente fragilizada pela ausência de tutela do Estado". A juíza considerou que o transporte da carga é necessário para transformar o crime ambiental em lucro.
"Condutas como a praticada pelo acusado, que têm por finalidade o escoamento do minério ilícito, representam relevantíssima etapa na cadeia logística do garimpo ilegal [...] e devem ser reprimidos com o mesmo rigor que se aplica à extração ilegal em si", disse em trecho da decisão.
Embora a decisão não afirme categoricamente que o ouro apreendido foi extraído da Terra Indígena Yanomami, a juíza considerou que o transporte de ouro com características da extração ilegal, confirmadas em laudo da perícia, fomenta a atividade criminosa.
Bruno foi condenado pelos crimes de transporte ilegal de matéria-prima da União e transporte de substância tóxica (mercúrio, presente no amálgama de ouro), mas foi absolvido da acusação de receptação.
Contaminação por mercúrio
A condenação também se baseou no crime ambiental devido à presença de mercúrio no ouro apreendido. A perícia da Polícia Federal confirmou que as barras eram uma mistura de ouro com mercúrio, típico de garimpos ilegais.
Na decisão, a magistrada citou estudos da Fiocruz e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) para alertar sobre os riscos da substância, que contamina rios e peixes, causando danos irreversíveis ao sistema nervoso. A sentença destacou que:
Em algumas comunidades Yanomami, 92% das pessoas estavam contaminadas por mercúrio;
Em outra região, 56% das mulheres e crianças apresentavam índices do metal pesado acima do tolerado pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Buracos deixados pelo garimpo ilegal na Terra Yanomami
Samantha Rufino/g1 RR
Interrogatório
Em depoimento, o empresário afirmou que estava a passeio em Manaus, no Amazonas, com a esposa e o filho, e foi apresentado por amigos em comum a um homem chamado "Artur". Foi Artur quem o contratou para transportar o ouro para Roraima. Bruno receberia a quantia de R$ 10 mil pelo serviço.
O carro utilizado para o transporte, segundo Bruno, foi entregue por Artur já com o ouro escondido sob o painel. Bruno disse que aceitou o serviço por necessidade financeira, mas que não se preocupou em verificar a documentação da carga, e não sabia que o transporte sem comprovação de origem legal é crime.
O veículo e o minério seriam entregues a “um rapaz” em um posto de combustível em Boa Vista, mas ele não sabia o nome desse rapaz. Também não soube dar mais informações sobre o contratante.
Relembre o caso
Bruno foi parado pela PRF na altura da ponte dos Macuxis, em Boa Vista, por volta de meio-dia de 4 de agosto deste ano. O empresário estava com a esposa e o filho, um bebê de nove meses à época.
Os agentes suspeitaram de inconsistências na documentação que ele apresentou e decidiram fazer uma busca mais detalhada. Foi então que localizaram as barras de ouro escondidas.
Quando foi abordado pela PRF, o empresário disse ser fiscal de obras e afirmou que havia saído de Manaus para verificar uma construção, mas não soube informar o nome ou o endereço da obra que seria fiscalizada.
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O empresário é dono de uma empresa varejista de artigos de vestuário e acessórios em Rondônia. A defesa de Bruno disse que ele é um "trabalhador" do "setor mineral", além de ser réu primário, com bons antecedentes, pai e "único provedor familiar".
Veja reportagem sobre o caso:
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