Mercúrio usado em garimpos ilegais na Amazônia entra por fronteiras com a Guiana e Bolívia
10/11/2025
(Foto: Reprodução) Relatório da ABIN revela rotas de entrada de mercúrio no Brasil
O mercúrio usado em garimpos ilegais da Amazônia entra no Brasil por rotas de contrabando que passam, principalmente, pelas fronteiras com a Bolívia e a Guiana, segundo um relatório da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública e o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA).
O estudo aponta ainda que o Brasil é um dos principais destinos do mercúrio contrabandeado na América do Sul, usado principalmente em garimpos ilegais.
A Guiana é a principal origem do mercúrio encontrado em Roraima, segundo o estudo. O país faz fronteira com o Brasil pelo município roraimense de Bonfim, ao Norte. O metal é usado em garimpos ilegais nas terras indígenas Yanomami e Raposa Serra do Sol, os maiores territórios indígenas do país e que vivem as consequências da atividade ilegal.
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O mercúrio contrabandeado da Bolívia é usado com mais frequência em balsas no rio Madeira, em Rondônia, alvo do garimpo ilegal. Além de áreas de exploração em Mato Grosso, como na Terra Indígena Sararé.
⚠️ Usado por garimpeiros para separar o ouro de outros sedimentos e, assim, deixá-lo "limpo", o mercúrio é um metal altamente tóxico ao ser humano. Após ser usado pelos garimpeiros, o mercúrio é jogado nos rios, causando poluição ambiental. Assim, entra na cadeia alimentar dos animais e afeta diretamente a saúde da população, principalmente os povos tradicionais.
Como consequência, o mercúrio no organismo pode causar graves problemas de saúde que afetam o sistema nervoso. O metal líquido fica retido no organismo devido à capacidade de bioacumulação.
Mercúrio é usado em garimpo ilegal.
Ipen/Divulgação/Arquivo
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Rota pela Guiana
Georgetown, a capital da Guiana.
Amanda Mclean/Rede Amazônica/Arquivo
O relatório aponta que a rede de distribuição de mercúrio se espalha pela Guiana e por Roraima, com diversos pontos de venda e transporte.
➡️ Em Georgetown, capital da Guiana, o mercúrio é vendido tanto no atacado quanto no varejo. Entre a cidade e Boa Vista, capital de Roraima, empresas e pessoas transportam o produto pelos dois lados da fronteira.
"Atualmente, trata-se de comércio discreto, que pressupõe relação de confiança entre comprador e vendedor, os quais geralmente se conhecem ou são postos em contato por conhecido em comum. Diante de pessoas desconhecidas, revendedores do produto negam possuí-lo", diz o estudo.
O mercúrio é transportado em dois tipos de recipientes: de aço, com cerca de 34 kg, e garrafas de plástico com 1 kg, chamadas de “pitchulas”.
Monumento na entrada de Lethem, na Guiana, conhecida como 'paraíso das compras'
Caíque Rodrigues/g1 RR/Arquivo
➡️ De Georgetown, o produto segue para Lethem, cidade da Guiana na fronteira com Bonfim, município ao Norte de Roraima. As duas são consideradas cidades-gêmeas, por estarem ligadas pela divisa.
Segundo o relatório, a fiscalização policial e alfandegária é frágil nos dois lados da fronteira, "não havendo presença efetiva que dissuada o cometimento de ilícitos fronteiriços".
O transporte dentro da Guiana ocorre com vans de turismo, que escondem o mercúrio entre eletrônicos e alimentos. Também há envio por avião, em aeronaves fretadas ou de empresas que levam materiais de mineração.
➡️ A entrada do mercúrio no Brasil ocorre principalmente pela ponte sobre o rio Tacutu, com apoio de olheiros e veículos batedores que aproveitam horários sem vigilância da Receita Federal ou da Polícia Federal. Também há casos de transporte por barcos e aviões clandestinos em áreas próximas à divisa.
➡️ Após cruzar a fronteira, o mercúrio é levado para Boa Vista em carros particulares ou táxis, escondido em fundos falsos, sob bancos ou perto do estepe. O estudo apontou que no trajeto entre Bonfim e Boa Vista, olheiros e motoristas trocam sinais de farol para avisar sobre fiscalizações.
➡️ Em Boa Vista, há vários revendedores que vendem o mercúrio a consumidores finais, de acordo com o estudo. De lá, o produto segue para os garimpos da Terra Indígena Yanomami, em Roraima e no Amazonas.
Buracos deixados pelo garimpo ilegal na Terra Yanomami.
Samantha Rufino/g1 RR/Arquivo
Cercado pela densa floresta amazônica, o território Yanomami é de difícil acesso. O envio do mercúrio para os garimpos ilegais é feito por avião ou barco, junto com combustível e alimentos.
O metal é levado em garrafas plásticas para reduzir o peso, facilitar o transporte e permitir o uso por várias semanas. O relatório aponta que a operação de retirada dos garimpeiros, iniciada em 2023, alterou a dinâmica com bloqueios em rios e estradas e redução da atividade ilegal na região.
➡️ Ele também mostra que o mercúrio vindo da Guiana também abastece a mineração no sul da Venezuela. Ele entra por Bonfim, é armazenado em Boa Vista e depois levado até Pacaraima, cidade roraimense na fronteira com o país venezuelano, em táxis legais ou clandestinos.
Rota pela Bolívia
O mercúrio vindo da Bolívia entra no Brasil principalmente por terra, passando por cidades de fronteira em Rondônia e Mato Grosso. Nas cidades bolivianas, o mercúrio é de fácil acesso.
➡️ De acordo com o relatório, as rotas usadas para levar mercúrio em Rondônia também servem para contrabando de cigarros e drogas. O principal fluxo de mercúrio para estado começa em Riberalta, na Bolívia. De lá, o produto segue para Guayaramerín, cidade-gêmea e Guajará-Mirim (RO).
"Para evitar a polícia e embaraços alfandegários, os contrabandistas que atuam na região de Guajará-Mirim se valem da existência de diversos portos clandestinos. O mercúrio, transportado em garrafas PET e frascos pequenos, atravessa o Rio Mamoré em pequenas embarcações até a margem brasileira", explicou.
➡️ De Guajará-Mirim, o mercúrio segue para Porto Velho, capital rondoniense, e depois pode ser levado até Itaituba (PA), o sul do Amazonas e outras áreas de garimpo no país. Outras rotas passam pelo município de Nova Mamoré e os distritos Vila Iata e Murtinho, em Rondônia.
Rio Mamoré, em Rondônia, fica próximo a rotas do contrabando de mercúrio vindo da Bolívia.
Lena Mendonça/Rede Amazônica/Arquivo
➡️ Em Mato Grosso, o mercúrio entra pela fronteira em dois principais pontos: as cidades bolivianas San Matias e San Ignacio de Velasco, e os municípios de Cáceres (MT) e Vila Bela da Santíssima Trindade (MT), a rota mais usada pelos contrabandistas.
O transporte é feito por terra e rios. Por terra, os contrabandistas usam estradas de chão, conhecidas como “cabriteiras”, e rodovias pavimentadas. O metal segue pelos rios Paraguai e Guaporé.
O relatório também aponta indica entradas pontuais de mercúrio vindas da Colômbia, do Peru e da Guiana Francesa, que abastecem garimpos próximos às fronteiras com esses países.
Mercúrio usado por garimpeiros na Terra Yanomami é apreendido em operação do Ibama.
Arquivo pessoal/Arquivo
Rota ilegal do mercúrio: o caminho do metal usado para separar ouro em Roraima
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